domingo, 17 de novembro de 2019

The Irishman – Uma carta de despedida?

Ao assistir The Irishman vários pensamentos passaram pela minha cabeça em relação às escolhas de Scorsese para o filme. Por que usar o rejuvenescimento digital ao invés de escalar novos atores? Por que 3:30h de duração? Por que o mesmo tema novamente?
Tudo isso é respondido, mesmo que de forma interpretativa.

The Irishman conta a história de Frank Sheeran (Robert DeNiro), motorista de caminhão, veterano da II Guerra Mundial que acaba se envolvendo com a máfia para ganhar um dinheiro a mais. Durante essa relação, Sheeran desenvolve uma amizade com Russel Bufalino (Joe Pesci) e por uma escalada de acontecimentos, acaba se tornando próximo do presidente do sindicato dos caminhoneiros dos EUA, Jimmy Hoffa (Al Pacino).



A construção desse filme parte de uma perda progressiva dos limites morais conforme as situações pedem. Se Sheeran começou nos mundo do crime roubando carne, não demora muito para explodir carros e matar pessoas, tudo muito bem construído com tempo. Isso o filme tem de sobra, desenvolve tão bem cada aresta das relações de poder e entre os personagens que o ritmo não cai. As mais de 3 horas de filme são muito justificadas quando todas as cenas possuem uma função, até mesmo para cadenciar o ritmo. Um dos elementos que não deixam acontecer essa queda é a câmera sempre em movimento, acompanhada da trilha, que quando não toca faz muita falta, dando peso para a cena onde é omitida.

As relações de máfia aqui são tão pé no chão que nenhuma cena mirabolante de ação é passada, os tiros são secos, agridem o ouvido do espectador e em nenhum momento usadas para entreter. Há apenas uma sequência que há uma escalada no confronto, mas de resto a batida é agressiva e dolorosa, difícil de ver.
Scorsese pode até mostrar um império sendo construído de maneira que alguns podem querer participar, mas sempre deixa bem claro que os bandidos não se dão bem no final. 
Todos os mafiosos mostrados no filme, quando apresentados  possuem uma ficha de como e quando sofreram uma morte violenta. Os próprios protagonistas chegam em um ponto da vida que o que fazem deixa de ser glamoroso e se torna triste. Todos que cometem crimes perecem de maneira melancólica e solitária, muito diferente da visão trazida em "Coringa", por exemplo, que após cometer crimes o personagem é exaltado.



O filme soa como uma despedida, onde os homens que comandavam o mundo passam a envelhecer e se tornam esquecidos. Uma das cenas mais tocantes do filme é quando Bufalino não consegue mais comer pão com vinho porque não tem mais dentes fortes. Se este for o último filme de Scorsese (tomara que não seja) ele terá se despedido de uma maneira que comenta sua própria vida entorno dos personagens. As auto-referências não são pedantes ou uma mera piscada para o público, mas sim algo que Scorsese gostaria de adicionar ao seu legado, se em outros tempos o crime organizado é retratado de maneira opulenta, aqui é uma classe baixa e suja, que não arma grande planos para tirar alguém do caminho, simplesmente faz.



É aqui que entra a justificativa para o uso da tecnologia de rejuvenescimento. Você precisa ver De Niro e Pesci jovens para que quando olhe para eles velhos sinta o peso do tempo, se fossem outros atores ali não teria o mesmo impacto.
Scorsese lança um de seus melhores filmes da carreira, com 76 anos o maior diretor vivo entrega uma obra definitiva que resume tudo o que já fez em sua filmografia.